domingo, 15 de junho de 2014

Nada de perguntas! (de um fã que prefere continuar anónimo)

Olá Dulce, depois da nossa conversa, e pela tua preocupação com a inatividade dos últimos dias no blog, e consequente pedra de interesse nos visitantes, deixa-me contribuir como posso: este é o meu melhor conto, se for suficientemente bom, por favor publica-o. 
As rápidas melhoras!


Nada de perguntas


Há quem acredite no destino. Eu, até há pouco tempo não acreditava. Redundância à parte, foi o “destino” que se encarregou disso.

A meio dos trintas, e casada há onze, com um casamento de sonho, amava o meu marido, e só havia um assunto que provocava algum tipo de atrito entre nós, era sermos pais, mas por mais que o meu marido me tentasse convencer, não me achava capaz de lhe satisfazer esse sonho.
          No final de Junho do ano passado, houve um congresso de segurança e higiene no trabalho em Lisboa, e eu como responsável desse departamento numa multinacional, tive que ir, confesso, um pouco contrariada, mas são ossos do ofício. Assim, lá apanhei o intercidades numa terça-feira de manhã. Sempre gostei de andar de comboio, dá oportunidade de aproveitar o tempo de duas maneiras; seja para trabalhar ou para descansar, enquanto nos deslocamos.
          Perto de mim ia uma senhora com um menino que devia ter uns dois anitos, lindo como todas as crianças enquanto são pequenas, Dei por mim outra vez a pensar nas ultimas palavras que o Daniel, o meu marido, me dissera ao despedir-se de mim nessa manhã. “Pensa nisso, eu peço-te por favor, eu amo-te, e amar-te-ei sempre, aconteça o que acontecer. Cada vez mais. Dá-me um filho.” Despedimo-nos com um beijo. Tinha medo de, ao realizar o sonho dele a nossa relação mudasse de tal modo que ficasse em risco.
          Para esquecer esse assunto, liguei o portátil. Fui enviando alguns mails e anotando ideias do que seria interessante ver discutido no congresso.
          Cheguei a Lisboa, e um táxi depois estava no hotel por volta do meio dia, depois de fazer o registo de entrada deixei as coisas no quarto e desci ao restaurante para almoçar, a meio do almoço liguei ao Daniel, disse-lhe que tinha feito a viagem sem stress, que os comboios tinham mudado imenso desde os tempos em que eu fazia aquela viagem todas as semanas, nos meus tempos de faculdade, recomendou-me que pelo menos que me divertisse e aproveitasse aqueles seis dias num hotel de cinco estrelas, com tudo pago, que eram uma das vantagens destes congressos. Desligámos. Fiquei aliviada por ele não ter falado outra vez no mesmo.

          Já quase a acabar a sobremesa, absorta nos meus planos de como iria gastar o tempo até às seis, hora a que seriam iniciados os trabalhos, fui desperta por uma voz que, embora não a ouvisse há séculos, tive a certeza a quem pertencia.
-      Avelã! E eu a pensar que seria mais um fim-de-semana de seca…
           Pedro. O Pedro da faculdade. Sempre me tinha chamado de Avelã, por causa da cor dos meus olhos. Nunca mais o tinha visto desde aí. Éramos os melhores amigos na faculdade, ele, extremamente inteligente, e com um sentido de perspicácia que lhe davam uma argúcia quase felina, complementado com uma sinceridade absoluta, por vezes até sincero demais, ao ponto de me dizer sem pudor nenhum que eu era a mulher dos sonhos dele, mas que não queria sequer pensar nisso, pois conhecia-se bem demais para destruir uma amizade tão forte com outras coisas, pois o mais certo seria, na primeira oportunidade ele fazer merda e enrolar-se com uma caloira qualquer. Ele era assim. O que ele nunca soube foi que eu me estava a marimbar para as consequências, que por mim, desde que o tivesse, só que fosse por uma noite, pagaria o preço que fosse preciso. Mas nunca tive coragem de lhe dar a conhecer o que sentia por ele. O tempo foi passando, até que na festa de formatura foi com a garganta seca que o vi sair com uma fulana qualquer. Soube mais tarde que tinham casado.
          Nisto baixa-se para me cumprimentar e pousa-me a mão no ombro provocando-me um arrepio ao mesmo tempo que me dá um beijo na cara. Perguntou-me se estava só, respondi que sim e convidei-o para se sentar, ia agora mesmo pedir café. Aceitou com um sorriso.
          Fomos pondo a conversa em dia, ele divorciara-se da tal fulana da faculdade passado um ano. Voltara a casar havia uns anos, tinha um casalinho, ele com cinco, e ela com dois e meio. Mostrou-me uma foto deles com a mãe. Eram lindíssimos. Senti o monstro de olhos verdes a revoltar-se dentro de mim ao imaginar por um segundo que era eu na foto. Moravam em Madrid. Depois de ter trabalhado durante algum tempo numa empresa a desempenhar a mesma função que eu, tinha fundado uma empresa própria de consultadoria e era nesse âmbito que ali se encontrava. Pu-lo ao corrente do que tinha sido a minha vida até ali, e fomos falando de coisas triviais até que de repente tivemos uma daquelas incómodas pausas na conversa.
-  Acho que nunca me tinha apercebido das saudades que tinha de ti, Avelãzinha…
-      É…foram bons tempos. – Foi o que consegui articular, percebendo que ele me estava a querer dizer algo mais.
-      Foram mesmo, mas poderiam ter sido muito melhores, não achas?
-      As coisas acontecem sempre como têm que acontecer…    
          As palavras dele ainda me entoavam na cabeça, e faziam todo o sentido para mim, eu também nunca me tinha permitido pensar muito nele, tinha-o “arquivado” juntamente com todas as recordações da faculdade. Mas agora, ali frente a ele, vendo-o de novo, veio tudo à memória, do que tinha sentido por ele, e do que eu na altura tinha lutado comigo mesma, tentando ignorar o queria sentir mais. E para meu desespero, os anos só tinham melhorado o que na altura já era perfeito, nos seus trinta e cincos, os cabelos negros começavam a ter alguns vestígios de cabelos esbranquiçados, que lhe davam aquele ar de homem maduro, e perfeitamente encaixado num fato Armani, estava…demolidor!
          Pensei no meu marido, no que ele insistentemente me pedia. E há quem diga que não há coincidências…
          Sacudi os meus pensamentos e sem saber o que dizer, sugeri que fossemos até à varanda do restaurante, que tinha, segundo ouvira dizer, uma vista deslumbrante sobre Lisboa, com o Tejo em fundo.
          A brisa suave trazia-me traços de Egoiste Platinnum, e ao mesmo tempo que ele me ia contando a aventura que tinha sido, a dada altura ter trabalhado nos Estados Unidos, eu ia sentindo os meus pensamentos a voar, e sem querer acreditar no que estava a acontecer, não fazia nada para evitar, como pelo contrario, queria que o tempo parasse.
          Queria que aquele momento durasse para sempre, queria esquecer que tinha uma vida perfeita em todos os aspectos; tanto pessoais, como profissionais. O casamento com o Luís era alvo de inveja e admiração por parte de todos os nossos amigos, todos eles entretanto separados, ou a caminho disso; profissionalmente, estava no topo da carreira, mas nada disso tinha a mínima importância.
          Tudo o que importava agora era aquele homem que ali estava comigo. Nunca tinha sentido nada parecido.
O sentimento de culpa só servia para aumentar ainda mais o desejo de ser dele, era como se todos aqueles anos tivessem sido uma caverna onde uma outra mulher estivera aprisionada, e que agora se soltava das amarras. Que queria ser fêmea. Que estava prestes a sair para reclamar tudo aquilo a que tinha direito. E tinha direito a muito! E a primeira coisa que iria reclamar seria a satisfação do desejo animal de ser totalmente possuída, de se abandonar às investidas de um macho que, tal como os animais, só saísse dela quando tivesse a certo de que a tinha tomado. Certeza essa, só assegurada largando dentro dela os seus fluidos de vida, a inundá-la completamente, percorrendo-lhe o corpo, na sua mais resguardada intimidade, emprenhando-a. Estava toda arrepiada, sentia a pele toda do corpo a reagir, sentia-me quente.
Foi como se tivesse finalmente visto a luz, era aquele o clique que me tinha faltado até ali para nunca ter sentido o tal instinto animal de sentir que tinha encontrado o macho ideal para ser o progenitor de um filho meu.
Regresso à realidade com o toque do telemóvel dele, era a Marisa, a mulher dele. Cabra! Há mulheres com tanta sorte neste mundo, nunca a vira na vida mas detestava-a. Ela tinha-o como pai dos seus filhos.
Então, como se por telepatia ele tivesse acesso aos meus loucos devaneios, olhando-me fundo nos olhos, foi com um ar de cumplicidade que ao olhar-me nos olhos lhe disse que estava tudo bem, que tinha encontrado um amigo do tempo da faculdade e que estava a pôr a conversa em dia e mais blá blá blá… iria ser um daqueles fins de semana da treta, e que tinha muitas saudades dela. Desligou.
Foi como uma bomba que me rebentou no peito, fazendo o meu coração disparar a mil à hora. Lembrei-me do tal instinto que faz com que os machos sejam tão infiéis. É-lhes natural procurar constantemente a disseminação dos seus genes, cabendo às fêmeas a selecção do melhor de todos. E eu queria-o como meu macho. O que se estava a passar comigo?
          Como estava quase na hora da abertura do congresso, subimos aos quartos para trocarmos de roupa, uma vez que a seguir haveria a tal recepção, e seria com traje formal.
          O tempo que durou, tanto o discurso do director do congresso, dando as boas vindas a todos os participantes, como o cocktail, no jardim do hotel, e tirando breves olhares, nunca estivemos um ao pé do outro. Quando as pessoas começaram a sair, e eu acabava de finalmente me conseguir livrar de um melga que sempre que me encontrava fazia questão de me azocrinar a mona com clichés ao mesmo tempo que se ia babando ao olhar para mim, devorando-me com os olhos. Há com cada cromo neste mundo, meu Deus!
-      Tens planos para hoje à noite? – Sussurrou-me ao ouvido, chegando-se por trás.
-      Não… acho que me vou deitar cedo, estou cansada e amanhã quero estar fresca para não perder nada do que vai ser discutido.
Nem precisava de olhar para ele para saber que devia estar com a cara mais aparvalhada deste mundo.
-      Ah… estava a pensar em irmos jantar a algum sítio, e depois podíamos ir beber um copo. – A voz de desalento dele dizia tudo.
Estava a adorar o jogo do gato e do rato… decidi continuar e ver o que iria dar.
-      Não sei…
-      Conheço o restaurante ideal, vem, não te vais arrepender! – Nisto chegou-se um pouco mais a mim, podia sentir o calor do corpo dele a incendiar-me. Virei-me e olhei-o nos olhos, respondendo-lhe:
-      De certeza? Tens a certeza que vale mesmo a pena? É quem me tira uma noite de sono, tira-me tudo…
Agora, já mais confiante, e com aquele olhar de sacana que ele sempre teve, avança:
-      Às vezes temos que perder certas coisas para ganhar outras… anda!
-      Tá… vou confiar em ti.
          Durante o jantar, num restaurantezinho no Bairro Alto, fomos falando de tudo e mais alguma coisa, excepto dos nossos casamentos. Isso fazia parte de outro mundo, ali, ele e eu éramos nós próprios um mundo à parte. À saída do restaurante, perguntou-me o que eu achava de irmos beber um copo a uma discoteca africana. Respondi-lhe que nunca tinha ido, ao que ele me diz que isso era um problema gravíssimo, mas que tinha o remédio.
          A Mournika, era diferente de todas as discos a que já tinha ido, havia uma energia no ar, não sabia muito bem do que era, quer fosse pela musica, quer fosse pelo facto de os pares, em vez de dançarem separados, dançavam juntos, no mais sensual ondular de corpos que eu já tinha visto, a melodia suave, mas compassada pelas fortes batidas da musica africana provocavam uma espécie de transe, que fazia o corpo sobrepor-se à mente. Era essa a língua que se falava ali, a língua em que os corpos se melhor entendem, a língua falada através do tacto, da visão e do cheiro dos outros corpos em redor.
          Não era à toa que outrora os colonos brancos consideravam a musica africana como obra do diabo. Imaginei o desconcerto que devia provocar naquelas mentes fechadas, verem os escravos de cor de ébano meio despidos a dançarem completamente entregues aos ritmos quentes, que os faziam transpirar sensualidade e desejo por todos os poros do corpo.
          De olhos fechados, embalando-me ao som do kizomba, sinto-o passar o seu braço por trás de mim, abraçando-me pela cintura e pousando a sua mão forte na minha anca, que mesmo por cima do tecido fino, parecia queimar-me, e, chego-me ainda mais a ele, que entretanto se colocou por detrás de mim, e enlaçando-me pela barriga com um braço, começou a conduzir-me com o seu corpo. Eu queria aquilo, queria sentir-me colada a ele, deitei a minha cabeça para trás, apoiando-a no ombro dele, sentindo o calor da respiração dele no meu pescoço.
Com a minha mão direita sobre a dele que me segurava pela barriga, e levantando o braço, puxei-o pela nuca, sentindo o corpo dele no meu, queria ser dele, aceitou-me beijando-me o pescoço, ao mesmo tempo que delicadamente me tacteava o corpo todo desde a coxa, conhecendo-me as curvas, passando pela anca e subindo, tocando levemente na parte lateral do meu seio, e voltando a descê-la outra vez, até a juntar à que já me segurava firmemente pela barriga, a forma como ele o fazia dizia-me, sem palavras o que queria, que era ali, dentro do meu ventre que ele queria estar, e eu reafirmando as minhas mãos sobre as suas, virei a cara, olhando-o nos olhos ao mesmo tempo que ele me beijou, primeiro nos lábios, depois, sentindo-me a entreabrir a boca, tocou-me levemente a língua com a dele, que depois disso ficaram as duas a brigar uma com a outra, a conhecerem-se, ora dentro da minha boca, ora dentro da dele.
Eu não me reconhecia, ali estava eu numa pista de dança de uma discoteca qualquer, com um homem que embora não o fosse, era quase um estranho, um homem casado, a quem eu me estava a entregar completamente.
E pensei no meu marido, nas ultimas palavras que ela me tinha dito nesse mesmo dia de manhã, e no efeito que elas tinham tido. Parecia que isso tinha sido numa outra vida.
Eu já não era a mesma mulher que fugia ao que ele constantemente me suplicava.
Ali e pela primeira vez na minha vida, não tinha dúvidas. Ali, eu não passava de uma fêmea no cio.
-      Leva-me daqui…- Foi num suspiro que lhe implorei.
-      Para onde?
-  Para onde me quiseres levar. – E esticando-me colei a minha boca à dele. Ficámos assim durante o que me pareceu uma vida.
Durante a breve viagem, na qual ele fez quase fez voar o carro pelas estreitas ruas da baixa lisboeta não trocámos uma palavra sequer. Não era preciso. Quando chegámos ao hotel e nos dirigíamos ao balcão da recepção, ele parou de repente, fazendo-me um ar de sobreaviso, e dizendo em voz alta qualquer coisa como “que tinha adorado discutir os pontos de vista sobre o congresso”. Sem perceber o que se estava a passar, ouço atrás de mim passos a entoarem no piso do átrio.

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"A maior desgraça que pode acontecer a qualquer escrito que se publica, não é muitas pessoas dizerem mal, é ninguém dizer nada." Nicolas Boileau